Tudo o que já foi falado sobre Junji Ito e um pouco mais! [parte 01]


Tirem as crianças da sala, ou o melhor, do PC.

Com o Halloween se aproximando, nada melhor do que conversar um pouco sobre um monstro sagrado dos quadrinhos de horror japonês: Junji Ito. Como eu disse no post anterior, eu acredito piamente que a internet é um grande celeiro de descobertas, e eu espero que você saia desse post com vontade de ler mais dos mangás desse cara, ou ao menos revisite alguns dos seus trabalhos, porque tudo o que é bom não pode ser perdido no marasmo do esquecimento.

Então, nada mais justo do que conversar sobre a vida e obra desse autor que não pode ficar de fora do Halloween de ninguém, certo? Alias, da estante também - já que recentemente a editora Dark Side anunciou que vai publicar o mangá de contos de Junji Ito ''Fragments of Horror'' provavelmente no próximo ano. Essa é um ótima oportunidade de ter em mãos um ótimo mangá de um autor incrível. Mas antes, deixa eu recomendar pra você alguns outros trabalhos dele que igualmente vale a pena à leitura.


Pra quem não sabe nada desse mangaká (o que eu duvido muito), lá vai uma bibliografia rápida de Ito. Tudo começou no inicio dos anos 90, quando ele decidiu que seria um artista de mangá de horror e deixou pra escanteio a possível profissão de dentista. Nascido na província de Gifu em 1963, o interesse de Ito nas histórias em quadrinhos começou na escola, quando sua irmã mais velha emprestou seus quadrinhos de terror do Kazuo Umezu. Ele passou então a ler como um simples hobby, e consequentemente, a desenhar histórias desse tipo, e continuou trabalhando na área odontológica como sempre fazia. Um dia, ele decidiu apresentar seu one shot para o GEKKAN Halloween e ganhou uma menção honrosa no Prêmio Kazuo Umezu (inclusive com o próprio Umezu de jurado). 

Algumas das principais referencias de Ito foram Hideshi Hino, Koga Shinsaku, Yasutaka Tsutsui, e H. P. Lovecraft, além claro, de Kazuo Umezu. Em uma entrevista, Junji Ito diz que Umezu foi o seu artista favorito durante muito tempo e continua sendo. Mesmo sem querer,  Umezu deixa uma marca duradoura em suas obras, no quesito ''contar histórias convincentes'' com ''arte de qualidade''. Ito diz ainda que suas histórias preferidas de Umezu e que o influenciam de certa maneira são os ''Drifting Classroom'', ''Fear'' e ''The Grave of Butterfly''. 

É interessante salientar que Ito recebe muita inspiração externa. Olhar para as coisas de ângulos diferentes, muitas vezes, trouxeram ideias muito interessantes segundo ele. Assistir filmes de terror e mistério, ler quadrinhos nessa pegada, são fatores importantes na elaboração de novas histórias, porém, um simples anoitecer ou uma trovoada, também estimularam muito sua criatividade.






Comentando algumas de suas obras

Gyo (2002


Tadashi e Kaori são dois jovens que procuram ter umas férias de verão divertidas, mas na praia onde está, inicia vários fatos estranhos que se espalha por todos os lados, levando panico ao casal e ao resto do Japão.

Esse mangá não te dá espaço para respirar. Ele começa no ápice e termina no ápice. Quando eu pensei que as coisas poderiam dar uma trégua, algo muito perturbador acontece em seguida. Tadashi é o protagonista desta história maluca, onde é atacada por peixes e tubarões andantes. Kaori, é a jovem chata que se entrega ao desespero. É evidente que os dois estão em estado de profunda angustia, mas é o Tadashi quem tenta manter a calma, mesmo quando a situação piora diante dos seus olhos. 

A ideia básica de ser atacada por esses monstros marinhos, é digna do selo ''Junji Ito''. Eu gosto dessa premissa que lhe obriga a acreditar na loucura. Gyo não se trata de uma simples história que envolve o psicológico de personagens, mas ele vai um pouco além, e te seduz tentando explicar o motivo pela qual eles (os peixes) agem daquela maneira assustadora, através do tio do Tadashi. Então, dá pra se entender que ele tenta traçar a realidade dentro do impossível, e isso traz um ar de veracidade. Apesar que, quem leu sabe que existe ''poréns'' na história mais pra frente.

Dá pra sentir um grande clima de exagero durante o desenrolar do enredo, por causa de ter ação em cada capítulo. No entanto, isso não estraga em nada a intenção do autor, que é causar aquele arrepiozinho na espinha. Claro, o ato em si de ''peixes andando pela cidade com suas 'perninhas' de barata'', é algo que choca, mas não acredito num impacto maior além disso. As expressões das criaturas são excelentes como tinha de ser, mas o show fica por conta dos personagens que estão vivendo em meio aquela situação. Na minha opinião, quem ganha o troféu de cara maléfica/assustadora é o tio do Tadashi. Na primeira vez que ele aparece, você percebe com nitidez mais tarde, a transformação que ocorre na vida dele. Do antes e depois. Achei isso interessante. A Kaori também tem um pouco disso, só que de uma forma mais exacerbada. Embora ela faça o papel de namorada chata, eu gosto da Kaoru só pelo fato de que ela representa uma pessoa comum, frágil.

Enfim, Gyo é uma história malucona que irá fazer você refletir sobre a fragilidade da mente das pessoas. Não é nada muito aprofundado, o ritmo de leitura é rápido, e não irá causar maiores dores de cabeça. O grande destaque aterrorizante está no cheiro. Se você imaginar um odor de gente morta, vai fazer com que esse mangá seja uma experiencia ainda mais desagradável - o que é uma coisa boa. Vai por mim ;)



Uzumaki


Uzamaki é um dos mangás considerados obra máxima do autor em termos de qualidade. A história gira em torno de uma cidade que está obcecada por espirais. Só isso. A partir desse ponto psíquico, Ito explora seus personagens de forma incrível e perturbadora.

Lançado no Japão em 1998, Uzamaki já deu as caras por aqui pela Editora Conrad, e achar a coleção de 3 volumes pra comprar nos dias atuais é uma missão praticamente impossível. Só nos resta apelar para os scans da vida. Lembrando que Uzamaki também tem um filme que foi lançado em 2000.

Essa história é bem louca. E isso se estende até o final do mangá. Não há uma trégua, ou um espaço de acontecimento um do outro pra história respirar. E isso é muito legal pois realmente dá aquela sensação de tormento. De que a loucura ali não tem fim. É uma coisa mais bizarra que a outra acontecendo. E todas elas claro: envolvendo espirais. O plot é genial. Não tem como não puxar o saco de Junji Ito. Alguns dizem que Uzamaki não é a obra mais relevante do autor, mas para introduzir alguém aos mangás do Junji Ito tá mais que bom. E eu concordo com essa afirmação, embora também ache um mangá relevante também pra quem já está habituado ao mundo de Ito. 

O mangá apresenta os dois lados da moeda: quem está obcecado pelas espirais, e quem está vendo essa obsessão de fora. Isso tudo incluindo muito sangue. O psíquico de um, acaba afetando a cidade inteira. Gosto muito desse jeito de narrativa. Claro que possui um ou outro capítulo que não faz tanto sentido, e não no quesito bom, mas em relação à coerência da história ao todo. Mas eu gosto da ideia principal, e acredito que esses errinhos de roteiro dá pra se ignorar. É um mangá obrigatório tanto para fãs de horror, quanto para aqueles que apenas buscam histórias criativas.



Ito Junji Kyoufu Manga Collection
           Chi Tamaki

Esse é o oitavo volume que complementa às 16 coletâneas de Junji Ito, que são compilados separadamente por temas. Este se refere à lugares. Foi o meu primeiro sete contos que li do autor, e posso dizer que foi a primeira obra  dele que coloquei a mão na consciência sobre sua qualidade. Existe muitos altos e baixos aqui. Pra mim, os melhores dessa coletânea é do casal que se perde depois de bater o carro, e das meninas que acabam descobrindo um templo budista no meio do nada.  E as mais fraquinhas, são as últimas, pois além de não assustar em nada, não foi nem um pouco bem apresentado e desenvolvido. É como se o autor apenas tivesse jogado uma ideia bacana, e nos deixado refletir com nossa imaginação se tivéssemos no lugar daquelas pessoas, naquele ambiente.  Por esse lado é bacana, mas não é o melhor do Junji Ito.

Eu lembro que gostei muito do ritmo da história do casal que bate o carro. O clima de mistério é o que mais me chamou a tenção. Desde do primeiro contato com as crianças canibais/vampiras até a chegada de um suposto abrigo, tudo é muito propício para algo de ruim acontecer, mas não acontece. Pelo menos não de uma maneira direta. Sutilmente, através de uma simples recordação, a insanidade começa a ter coerência e significado dentro da história. As bolhas de sangue em uma pequena árvore no pescoço da garota, tomará proporções inimagináveis. É bem doentio. Foi o conto que mais me encantei nesse mangá.

Outro que me arrepiei foi a dos monges. O jeito que começa é meio clichê, e o decorrer dele não sinaliza o perigo, mas sim o fanatismo, coisa que vai assustando mais do que qualquer história de terror ao longo do processo. Esse é um conto um pouco diferente, mas não deixa de ser assustador.



Hellstar Remina

Um cientista descobre um novo planeta e lhe dá o nome da sua filha, Remina. Ela se transforma numa estrela para todo o país por ter o mesmo nome que a nova descoberta mas a admiração das pessoas logo dá lugar ao terror quando eles percebem que esse novo planeta é diferente dos outros: ele está se dirigindo para a Terra e se aproxima rapidamente...

Frenético. Nessa mangá, Junji Ito aborda o medo da morte. É o instinto humano falando mais alto que qualquer outra coisa. A obra possui sim muitas inconsistências, e também não se trata do melhor de Ito. No entanto, é válido a leitura, por justamente ver um outro lado do autor, que não é apenas bom no terror explicito, mas também na arte visual, além de achar um jeito de exprimir sempre mais da mensagem proposta.

Portanto, não espere uma história sanguinolenta, pesada. Em Hellstar Remina o que vale é as pequenas surpresas decorrente do destino incerto de Remina.  Nada chocante. Mas temeroso. O grande show fica por conta dos personagens secundários, e não da protagonista. Afinal, convenhamos que ela nem é digna de ser chamada de protagonista, já que a história trabalha mais às pessoas que giram em volta dela. O que Junji Ito faz aqui, é uma inversão de papéis muito bacana: o que parece ser o foco na verdade não é, e o que parece ser apenas escada para a suposta protagonista, é na verdade o principal da história. Nessa mangá, não importa se a Remina, personagem central, será salva daquela turbulência. Ela não faz nada na trama que você crie um vinculo de a proximidade, muito menos torce para que fique tudo bem com ela. Remina é muito sem sal, a ponto de apenas ser apenas ''carniça para corvos''.

Por outro lado, é legal ver o que ela realmente representa naquele mundo. Assim como ela é vendida na capa, Remina é um Jesus Cristo dos tempos modernos. E as pessoas que a adoravam mais depois a odiavam, é a representação clara de que os humanos são egocêntricos. A humanidade sempre fará coisas absurdas por medo da morte, e o que vemos em Hellstar Remina é a sobrevivência no seu mais puro auge. O pavor de não saber o que se vem depois da destruição, transforma o ser humano num assassino em potencial. Porém, apenas uma simples rejeição por parte da pessoa amada, também é capaz de alastrar sentimentos perversos. Não é preciso que o fim do mundo seja anunciado, basta apenas ficar de cara com a morte ou a rejeição, que tudo vira um pontapé para o caos. Nesse sentido, o mangá é excelente.

É uma pena que ele não finalize tão bem. Em alguns momentos dá pra sentir que a coincidência soa forçado demais, e isso não é legal. Não funciona. Ainda sim, é Junji Ito. Com direito a expressões aterradoras e tudo. Além de ter um extra um pouco mais reconfortante que o desfecho da obra, ainda sim, nada memorável. Hellstar Remina é recomendado não por ser um mangá aterrorizante, definitivamente, esse não é o melhor de Junji Ito. Porém, para o fã chega a ser uma obra curiosa e provocante, tanto pelas questões que ele aborda, como pela arte bem desenhada.
























Black Paradox

Quatro pessoas criam um grupo para se suicidarem e se encontram, mas eles acabam num mundo bizarro do qual nunca ouviram falar.

Mais um mangá de Junji Ito que somente os mais afoitos poderão desfrutar melhor. Também não se trata de uma obra prima do autor, mas é interessante ver Ito tentado trazer algo novo. Para mim, o maior erro dessa obra é querer meter os pés pelas mãos. A história é apressada demais, e falta um mergulhar mais fundo no que ele está querendo contar. Fica muito no superficial. Não considero Black Paradox melhor que Hellstar Remina, mas existem algumas coisas que aqui são melhores aproveitadas. Como o lado grotesco das pessoas. Black Paradox consegue assustar muito mais, ainda que de forma não arrebatadora. As bolas sendo vomitadas, saindo da barriga, e até do rosto de uma personagem, conseguem causar um certo tipo de asco e repulsa. Particularmente, eu tenho um pavor terrível daquela doença ''pé de maracujá'' (não pesquisem isso no google pelamordedeus) e de alguma maneira, essa mangá me fez lembrar desse sentimento de nojo que sinto por aquelas coisinhas dentro do corpo da pessoa. Sim, aparentemente elas não possuem grande semelhança, mas a sensação de estranheza em mim foi compatível.

Gosto do modo como o horror aqui causa algum tipo de impacto. Também gosto da mensagem que existe por trás daqueles personagens tão universais e humanos. A morte mais uma vez sendo questionada de um angulo novo, dessa vez com o suicídio e a dualidade das pessoas em pauta. É uma pena que Ito se perca nessas entrelinhas, e acaba não sendo assim tão claro e mais convincente na premissa. A arte dele também fica um pouco à desejar, tirando o fato que as expressões dos personagens, assim como o do desconhecido, são excepcionais. Black Paradox é um mangá para aquele que já conhece o estilo do Junji Ito e já está familiarizado com suas obras. Do contrário, não é uma boa porta de entrada. 

Continua ....
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